Falta água e alimento para o rebanho, diz Emdagro.
‘A única esperança é a ajuda divina’, diz criadora.
Anderson Barbosa e Joelma GonçalvesDo G1 SE
A
seca que atinge 30 dos 75 municípios sergipanos está testando a fé do
sertanejo. Acostumado à escassez de água e de alimento, agora, ele acompanha a
morte das poucas cabeças de gado que ainda possui. Nesses lugares, o rastro
deixado pela longa estiagem tem levado os criadores ao desespero, já que até a
palma, planta resistente às altas temperaturas do sertão e importante reserva
alimentar para o gado, também está morrendo.
O G1 mostra, em uma série de reportagens,
uma pequena amostra da realidade vivida na região - e as muitas saídas que
encontra para conseguir sobreviver. Confira aqui as histórias, contadas em cada um dos nove
estados do Nordeste brasileiro.
A Empresa de Desenvolvimento
Agropecuário de Sergipe (Emdagro) estima que entre 8% e 10%
do rebanho bovino do Alto Sertão, composto por cerca de 250 mil cabeças, tenha
morrido com a seca por falta de água e alimento. Com o gado fraco, a produção
da maior bacia leiteira do estado, que possuía uma média diária de 650 mil
litros, trambém sofreu prejuízos e teve prejuízo de 35% nos últimos seis
meses.
Criadora
Adalzina Santos já não sabe mais o que
fazer para evitar tantos prejuízos
(Foto: Arquivo Pessoal)
A criadora Adalzina Santos, da Zona
Rural de Porto da Folha (SE), já não sabe mais o que fazer para evitar tantos
prejuízos. No final do ano passado, ela plantou três hectares de palma e não
conseguiu colher nada por causa da seca.
“A palma está secando sem chuva, e a última plantação nem chegou a germinar. A
gente não sabe mais o que fazer sem alimento para o gado. Há um ano, reduzi o
rebanho de 22 para 16 cabeças de gado, e das 30 ovelhas, restam 20, justamente
porque não tinha alimento. Ainda assim, cinco cabeças, entre vacas e ovelhas,
morreram. A única esperança é a ajuda divina”, desabafa.
No Povoado Barra da Onça, em Poço Redondo (SE), Reilton da Silva Almeida cria
vacas leiteiras há 35 anos, mas, segundo ele, esta é a pior seca que já atingiu
a região. Sem alimentos, morreram cinco animais nos últimos 30 dias, de um
rebanho de 55, e outros não devem resistir por muito tempo.
“O meu gado leiteiro sempre participava de torneios. Porém, neste ano não tive
condição de inscrever os bichos, porque muitos nem leite têm. Estou com vacas
que acabaram de parir, mas os bezerros tentam mamar e o leite não sai. Para ter
uma ideia, uma vaca que dava 40 litros de leite está totalmente seca”, conta o
criador Reilton.
Segundo ele, não há mais ração para
os animais e o gado está muito abaixo do peso. “Não tenho mais ração, acabou
tudo, e não estamos recebendo a ajuda do governo. É um estado de calamidade
terrível, a gente não consegue vender o gado nem para o corte, porque está
muito magro”, relata.
"
Não tenho mais ração, acabou tudo"
Reilton Almeida, criador
“Como vamos sustentar os animais se
não tem alimentação?”, questiona o agricultor Humberto Dinis dos Santos, líder
comunitário do mesmo povoado, que assiste a tudo com o sentimento de
impotência. Para não ter mais prejuízo, vendeu as 10 vacas leiteiras que tinha
e ficou com a mesma quantidade de bois, porque, segundo ele, conseguem resistir
à situação por mais tempo.
“Nem a palma está suportando o clima
seco. Há seis anos, temos perdas consecutivas na safra do milho e do feijão. É
uma situação muito triste. Não temos mais a quem recorrer. A nossa sorte está
sendo a cana-de-açúcar moída que vem de Alagoas, mas também já está ficando
escassa”, explica o líder comunitário.
Animais tentam se
alimentar com a vegetação seca que ainda resta (Foto: Zé Mário Braga)
Retirantes
Para muitas famílias, a única saída
é fugir dos efeitos da seca. Há cerca de um ano, Ediclécio da Silva Santos, a
esposa e a filha deixaram para trás as três casas no terreno de 32 hectares no
Povoado Barra da Onça e foram morar em uma área de cinco hectares no litoral do
estado, no Povoado Porto da Mata, em Estância (SE). No Sertão, chegou a perder
oito vacas leiteiras e deixou tudo o que construiu.
Ediclécio
da Silva Santos largou o terreno no Alto
Sertão para criar o gado no litoral
(Foto: Arquivo Pessoal)
“A situação nos últimos três anos
ficou terrível. A natureza não nos ajudou, e tivemos que largar a terra. Há
três anos, deixei o povoado, depois retornei algumas vezes na tentativa de
salvar o gado. Há menos de um ano deixei o sertão definitivamente. Aqui [no
litoral], a seca ainda não atinge o gado”, conta.
Há poucas semanas, ele esteve no
Sertão para visitar os amigos, que ainda resistem mesmo com as perdas. E o que
viu por lá só aumentou a angústia de quem todos os dias clama por tempos
melhores para a região. “Amo o sertão, mas não penso em voltar porque lá não
tem água. Andamos cerca de 200 km e nada de encontrá-la”, relata emocionado.
Seca fora do
sertão
No Baixo São Francisco, a seca
também mexe com a rotina dos ribeirinhos, que pouco a pouco acompanham o
desaparecimento de importantes reservas hídricas. Se a natureza dá sinais de
cansaço, a fé entra como último recurso para amenizar o sofrimento.
O jovem Haleph Ferreira resolveu
fazer uma oração às margens da Lagoa Salomé, pedindo a intercessão de Nossa
Senhora Aparecida para mudar o cenário da seca. Lá, com a água baixando, os
peixes também estão morrendo. “Recorri a Nossa Senhora Aparecida por ser um ano
mariano. Afinal, ela também foi encontrada em um rio”, justifica.
Um dos terrenos que fica ao lado da
Salomé pertence ao senhor José Carlos Moraes, que, diante da crise hídrica que
impactou também a alimentação dos animais, resolveu alugar um terreno em uma
região onde a reserva de água ainda permite aliviar a sede do gado. No terreno,
não há mais capim, apenas a terra seca, esturricada.
Lagoa
Salomé, no município de Cedro de São João (SE), está secando e os peixes
morrendo (Foto: Haleph Ferreira)
“Estava vendo a hora de perder tudo
o que tinha, foi quando meu genro levou nove cabeças de gado para o terreno, em
Alagoas, onde ainda existe água para eles. Se ficasse por aqui, certamente iria
assistir à morte desses animais. Assim como eu, outras pessoas estão fazendo a
mesma coisa para não terem mais prejuízo”, relata o criador.
Operação
carro-pipa atua no interior de Sergipe
(Foto: Marcelle Cristinne)
Ajuda para o
sertanejo
No dia 21 de março, o ministro do
Desenvolvimento Social e Agrário, Osmar Terra, em visita a Sergipe, comunicou
que voltará nos próximos dois meses para anunciar investimentos destinados ao
combate à seca, com medidas como cisternas e caminhões-pipa.
“Vamos ter recursos extras que não estavam previstos. Estamos passando pela maior estiagem dos últimos 100 anos e aumentando os recursos para o semiárido”, revelou.
Enquanto a ajuda não chega, outras
ações já estão sendo tomadas com o mesmo objetivo. O coordenador da Defesa
Civil do estado, José Erivaldo Mendes, informou que diversos órgãos ligados ao
Governo de Sergipe trabalham para diminuir os efeitos da seca. Segundo ele, a
Companhia de Desenvolvimento de Recursos Hídricos e Irrigação de Sergipe
(COHIDRO) tem cavado poços nos locais em situação de emergência. Já a
Secretaria de Meio Ambiente está instalando dessalinizadores em poços
garantindo a potabilidade.
O trabalho também recebe o apoio de
44 caminhões-pipa que atendem a uma população de 160 mil pessoas, com um
investimento de quase R$ 450 mil reais por mês. “Nós, da Defesa Civil, estamos
atuando inicialmente em sete municípios elencados como prioritários. São eles:
Canindé de São Francisco, Poço Redondo, Porto da Folha, Gararu, Nossa Senhora
da Glória, Monte Alegre de Sergipe e Carira. Correspondendo a 65% da demanda de
entrega de água no estado, com foco para ajudar na descendentação animal”,
conta Mendes.
A Defesa Civil e a Empresa de
Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe (Emdagro) estão finalizando a
contratação de material forrageiro, com a logística de distribuição, para os
produtores que possuem até 10 cabeças de gado, garantindo que os animais
recebam um pouco de alimentação.
“A Deso comprou bombas mais potente
para aumentar em 25% a sua capacidade de fornecimento de água na região do
sertão, fato esse que não temos problemas de desabastecimentos. Temos o desenho
da distribuição de sementes e horas máquinas para preparar o solo, nesse
período que se aproxima do nosso inverno, atendendo mais de 20 mil produtores.
Em alguns municípios, os carros-pipa pegam água da Deso sem custo e repassam
para eles”, contou Mendes.
Chuva alivia seca no
Sertão de Sergipe (Foto: Humberto Diniz)
Esperança renovada
No dia 18 de março, véspera do Dia
de São José, a tradição acabou se confirmando, e a chuva chegou ao Alto Sertão
de Sergipe. Segundo o coordenador regional da Emdagro para o Alto e Médio
Sertão de Sergipe, Ary Osvaldo Ribeiro Bonfim, ela foi irregular, mas ajudou a
amenizar problemas.
“Em alguns pontos, tivemos registros
de 48 milímetros. Nestes, a chuva ajudou a amenizar a situação da palma, que
não vai mais morrer. Poucos povoados conseguiram acumular uma boa reserva
hídrica, aliviando um pouco, mas não resolvendo a situação causada pela longa
estiagem”, relata o coordenador da Emdagro.
Como a chuva não atingiu toda a
região, muitos criadores, que já estão sem alimento para o gado, reclamam que
não só a palma, mas o capim continua morrendo. “Esperava que o verde do capim
aparecesse com essa chuvinha, como ocorria nas outras secas, mas dessa vez
parece que nem a raiz da planta resistiu ao sol forte. Morreu tudo e o terreno
está descampado. Sem falar nas perdas com a palma”, lamentou a produtora Adalzina
Santos.
A reportagem do G1 conversou com o técnico agrícola
especializado em educação ambiental, Sérgio Walptemberg Souza e Silva, que
conhece bem a região do município de Porto da Folha. “Se não deu para o
capim nascer é sinal que já tinha morrido por causa da longa estiagem e também
pela pisoteio do gado à procura do alimento. Neste caso, a única solução é
fazer uma nova plantação do capim”, explica o especialista.
Ele observa que, com a terra sem a
cobertura vegetal,, ela fica exposta às intempéries e acaba sofrendo um
processo de erosão eólica, com a chuva territorial, ficando sem os nutrientes
para a agricultura. “O ideal é a revitalização desse solo com o manejo agroecológico”,
observa.
Nem
a plantação de palma resite às altas temperatutra no Sertão de Sergipe (Foto:
Zé Mário Braga)
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